frutos de sombra













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    sexta-feira, 1 de dezembro de 2006


    Saudades
    Nunca to vou admitir, obviamente. Só o digo aqui, baixinho, onde não me podes ouvir. Lembro-me. Às vezes vens inesperada a meio do dia, entre um papel e um ficheiro, há uma palavra que te abre a porta e entras descarada na consciência. A memória é um rio que pode ter alguns lagos onde se perde, mas nunca vai dar ao mar. Outras vezes é uma música, à noite. Aí chegas de mansinho, sentas-te no meu colo e fechas os olhos. E eu volto a tentar decorar todas as linhas, texturas, cores, temperaturas do teu rosto.
    Não imaginas que acontece passar à tua porta. Não interessa se é de propósito ou não. Olho as janelas acesas de gente na sala, procuro o teu carro estacionado. Já nem sei se moras ali. Mas cada vez que ali vou lembro-me. Da única vez que passámos juntos pela tua rua e não entrámos. Sei o que disseste, sei o que eu disse, sei o que dissémos, fizémos, respirámos, cheirámos, bebemos, provámos. Sabes, se fechar os olhos com força e passar a língua pelos lábios ainda consigo sentir o sabor agridoce com que nos brindavas, o seu teu cheiro, o seu teu calor.
    Tu também não admites, mas eu sei. Claro que lembras, mas ainda és mais orgulhosa que eu. E podes dizer que nem tens tempo para pensar nisso, que só olhas para a frente, mas sabemos ambos muito bem que as memórias não pedem licença, não são voluntárias, não controlamos a corrente do rio. És assaltada pelas nossas conversas madrugada fora, pelo perfume que devoravas do meu pescoço. Ainda deves sentir, às vezes, a minha mão moldada no teu rosto, no teu peito. Será que à noite os teus dedos ainda se fecham como se fechavam ao enrolar-me? Se calhar até passas à minha porta.

    # Jorge Moniz |